Escrito por Fábio Willians
Quarta, 10 Março 2021 12:07
Luciano, 39, era dono de quatro lojas de enxoval de bebê no centro de Belo Horizonte. Hoje, tem três. Natália, 36, mulher dele, é proprietária de uma escola infantil, praticamente falida. A instabilidade financeira do casal é reflexo de uma realidade que atinge em cheio comércio e serviços. Nunca se fecharam tantas empresas como no ano passado: 113 por dia, segundo dados da Junta Comercial, o maior índice de extinção da história. A pandemia abalou não apenas os negócios, mas também a saúde mental dos empresários. É que, junto com os prejuízos, vieram os sintomas. Luciano chegou a cair na cama, sem forças para vencer a depressão, e Natália, grávida de seis meses, luta contra os sinais de ansiedade e estresse e contra a insônia diária.
A Luciano, faltam forças para reagir. “Às vezes eu quero dormir o dia inteiro, não tenho fome nem vontade de tomar banho. Já fiquei trancado no quarto escuro por um dia inteiro. Um dia estou um pouco melhor, no seguinte pioro”, conta o lojista, que será identificado com nome fictício a pedido dele.
Pesam sobre os ombros do casal a dívida, de aproximadamente R$ 400 mil, a tristeza por terem fechado uma das lojas que administravam havia mais de uma década e a demissão de 11 funcionários. “No início, o que mais me aterrorizava era ter que demitir pessoas e o medo de não pagar o salário dos que ficaram. Mas depois eu fui notando que eu estava no mesmo barco que eles”, conta Luciano.
De acordo com a analista de relacionamento do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG) Laurana Viana, esse medo de ter que demitir era também a maior inquietude dos empresários que buscaram orientação na instituição para enfrentar a pandemia. “Ouvimos vários relatos de patrões muito tristes ao pensarem que teriam que demitir chefes de família, que não teriam mais como colocar arroz e feijão na mesa. Pelo semblante deles, a gente já conseguia sentir o quanto a situação estava gerando tristeza. Ouvimos muitos casos de insônia e crises de ansiedade”, afirma a analista.
Para Luciano, a ficha de que a situação dele não era tão diferente da vivida pelos funcionários caiu só quando ele precisou cortar gastos de forma extrema na própria casa e se viu sem dinheiro para comprar coisas básicas para a chegada do primeiro filho.
Por ironia do destino, eu, que tenho lojas de enxoval de bebê, tive que ganhar berço e carrinho usados porque não vendo esses produtos”, diz.
Enquanto isso, a mulher dele, aqui identificada como Natália, tenta não se desorientar. “A gente está vivendo um dia de cada vez”, diz. Mesmo assim, a cabeça não tem colaborado. “Sinto ansiedade, insônia, estresse. Na gravidez a gente já fica instável normalmente, mas essa situação em que estamos vivendo traz ainda mais insegurança”, afirma.
Quebradeira
Se o casal não está sozinho nas dificuldades financeiras – 41.436 empresas foram extintas no Estado em 2020, número 5,5% maior do que em 2019 –, na depressão também não está. “Muitos empresários estão desesperados. Tem muita gente completamente endividada, perdendo o patrimônio para bancar os negócios. A pressão é muito grande. Eu duvido que tenha algum comerciante que durma oito horas por dia”, conta o presidente da Associação de Lojistas do Hipercentro, Flávio Froes Assunção.
Para a empresária Carla de Araújo, a pressão foi tanta que, menos de dois meses depois do início da pandemia, ela já estava tomando ansiolítico. Ela se deitava na cama e não conseguia dormir. “Eu ficava pensando como ia conseguir manter minhas funcionárias, como ia pagar meus fornecedores”, conta.
Além dos sintomas clássicos, como perda de sono e excesso de irritabilidade, ela chegou a perder a audição. “Eu tive uma surdez súbita em um ouvido. Fiz ressonância, não tinha nada. O médico disse que era um reflexo de alto nível de estresse”, conta a lojista, que ainda usa medicamentos para controlar a ansiedade.
Medo de demissão desorienta trabalhadores
Fecha tudo que não for essencial! Para o comércio, essa determinação de março de 2020, que tinha como objetivo barrar o avanço da Covid-19, restringiu muito mais do que a circulação de pessoas. Sem vender, a renda caiu, e, quanto mais os lucros despencavam, mais as preocupações disparavam. A situação tirou o sono de empregadores e funcionários.
A lojista Carla de Araújo conseguiu evitar a demissão das duas funcionárias. “Depois de várias noites sem dormir, eu me sentei com elas e disse que precisaria suspender o contrato de uma”, conta. Juntas, elas decidiram suspender temporariamente o contrato de Evanilza Ferreira, 30, já que ela morava com pais idosos e tinha um filho pequeno, sem escolinha para deixá-lo.
“Eu morria de medo de ser mandada embora. Tive muita insônia e fiquei cheia de insegurança com as notícias do abre e fecha do comércio”, conta Evanilza, que já voltou a trabalhar, mas ainda se sente insegura. Pesquisa exclusiva da CDL indica que, para 9,6% dos lojistas da capital, o maior receio é demitir e não pagar os fornecedores.
Sintomas de ansiedade em 80% dos empresários
Estudo mostra que empreendedores têm nível de sofrimento psíquico equivalente ao apresentado pelos profissionais da saúde na pandemia
As incertezas quanto à vida e aos negócios criadas pelo contexto da pandemia têm mexido com a cabeça de empreendedores. Oito de cada dez deles apresentaram sintomas, mesmo que em níveis baixos, de estresse, ansiedade e depressão. O levantamento, feito pela aceleradora Troposlab em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrou ainda que a saúde mental desses empresários foi afetada em graus parecidos com o que ocorreu com os profissionais da saúde envolvidos no combate à Covid-19.
“Os mesmos pesquisadores da UFMG que atuaram nessa pesquisa estavam estudando a saúde mental dos profissionais de saúde, por isso conseguimos comparar. O que ocorre é que os dois grupos estão imersos nessa crise imposta pelo avanço da doença e convivendo com os desafios que o vírus trouxe”, explica uma das responsáveis pelo estudo, Marina Mendonça de Sousa.
A pesquisa comprovou também que, quanto mais o empreendedor sente o ambiente de negócios incerto, maiores são os níveis de adoecimento psicológico, e vice-versa.
Exatamente o que notou, na prática, Cristina Cordeiro Souza, 32. Sócia em duas clínicas de biomedicina estética em Belo Horizonte, ela viu, em poucos meses de pandemia, parte do patrimônio conquistado ruir, junto com a saúde mental dela. Em abril do ano passado, a queda do faturamento já foi de 70%. A baixa abalou as perspectivas do negócio de tal forma que, em um primeiro momento, ela paralisou.
“A vida de empreendedor já é desafiadora e precisa ser vivida muito no dia a dia em contextos normais. Mas o excesso de preocupação com gastos fixos, funcionários, financiamentos e o futuro do negócio serve como uma barreira que bloqueia a ação. Ao mesmo tempo, o cérebro não para de funcionar, e isso vai te oprimindo”, descreve.
Cristina conta que chegou a ter pensamentos suicidas até conseguir reagir. A busca pela ajuda profissional para tratamento e o retorno às atividades físicas ocorreram no mesmo momento em que ela começou a fazer um curso do Sebrae-MG de gestão de negócios no mundo digital. À medida que a empreendedora conseguia alcançar retorno financeiro com a utilização de estratégias novas no negócio, as crises de ansiedade dela foram diminuindo.
Na avaliação da analista de relacionamento do Sebrae-MG Laurana Viana, ao mesmo tempo em que a pandemia trouxe tantas incertezas, também despertou em muita gente, como Cristina, a necessidade de mudar. “No Brasil, o comércio é tradicionalmente de rua, as pessoas entram, pegam os produtos, experimentam. Antes, a gente tinha muito menos cultura de vendas online. Com o isolamento, muita gente teve dificuldade, mas foi preciso se adaptar rápido. A forma de reagir interfere na saúde mental. Quando a pessoa está numa situação depressiva, é como se tivesse um muro, e ela tem escolhas: ou escala, ou derruba, ou não faz nada. A pandemia foi um grande muro para os empresários. Muita gente foi afetada, mas muitos conseguiram se adaptar”, afirma.
O empresário Marcus Jardim, presidente do Grupo de Academias Responsáveis (Gari), tem usado todas as forças para escalar esse muro e, por muitas vezes, se sente exausto. “Eu tinha sete academias e tive que fechar cinco delas, demiti umas 120 pessoas. Tive que vender minha casa confortável, com piscina, e agora durmo em um colchão na casa do meu pai com minha esposa e meus dois filhos. Estou ansioso, nervoso, intolerante, depois de 12 anos voltei a beber para conseguir dormir. Se eu não tivesse o apoio da minha mulher, já teria dado um tiro na minha cabeça”, conta.
Ele diz ter certeza de que está em depressão, mas se sente impotente até para buscar ajuda profissional. O foco é administrar as academias que restaram. “Nossas academias ficaram muito tempo fechadas, e, quando os clientes começaram a ter confiança para voltar, tudo fechou de novo. Vamos ter que fazer um trabalho muito grande para retomar”, diz.
Carga emocional: um de cada quatro lojistas de BH teve sintomas
Só no comércio de Belo Horizonte, pelo menos um de cada quatro empresários (27,6%) já teve algum sintoma de depressão e ansiedade durante a pandemia, que tirou o sono de 57,1% deles e gerou taquicardia em 42,9%. Os dados são da pesquisa que a Câmara Dirigentes Lojistas (CDL-BH) fez com exclusividade para a série de reportagens “Tá tudo bem?”. Segundo o levantamento, o maior medo (35,5%) é o de quebrar o negócio.
Diante de tanta angústia entre os comerciantes, até advogados estão fazendo papel de psicólogos. Dentro da CDL, a função da Yasmin Batista é fornecer orientações jurídicas gratuitas aos associados. Mas essa ajuda tem ido muito além das dicas de legislação. “Nossa demanda aumentou muito, principalmente quando o município determinava o fechamento do comércio em Belo Horizonte. Às vezes, sem saber o que fazer com os funcionários, contratos e fornecedores, alguns até choram ao telefone, e a gente passou a ouvir os desabafos. Acaba virando uma terapia”.
Para ajudar os próprios funcionários, abalados com as mudanças da rotina impostas pelo home office, a CDL implantou a Escuta Ativa. “As pessoas não estavam acostumadas a trabalhar em casa, conciliando com as tarefas domésticas e todos os desafios do distanciamento. Começamos a receber vários relatos e percebemos a necessidade da expressão dos sentimentos e implantamos o acolhimento por meio da escuta”, diz a psicóloga Dariane Dantas.
FONTE: http://bambuinews.com.br
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